Acredito que muitas pessoas conhecem as esculturas de Bugrinhos da Conceição, objetos de madeiras roliças entalhados na forma semelhante a humana (antropomorfo), recoberto com cera e pigmentos naturais, revelando graça, beleza e harmonia entre a forma e o conteúdo. Representando uma figura humana primitiva, atarracado, com a cabeça avantajada desproporcional ao corpo, estático e maciço, onde um instrumento cortante penetrou superficialmente a matéria pra lhe conferir a idéias desejada. Muito criativo e expressivo, forte espiritualmente e em seu contexto primitivista, irradia a sabedoria e destreza de um pessoa que conhece a si mesma e, em suas circunstâncias, interpreta o mundo em que vive, e assim capaz de conferir a matéria inerte, a sua (mensagem) personalidade em uma linguagem universal: a arte.
Os bugrinhos da conceição, propagam uma energia criativa, um sentimento único, uma sensação pura. É uma manifestação legitima de um ser humano que despertou suas potencialidades cognitivas; embora básico e ingênuo em sua plástica, e, estimular uma certa inferioridade metafísica, por não contemplar o saber formal ou acadêmico, o que fica evidente na ausência de conhecimento anatômico e na desproporção do objeto, mostrando inapetência para a articulação racional não representa o tempo presente, o atual estágio civilizatório. Revela porem uma beleza verdadeira, desapegada e legitima, demonstrando a grandeza do espírito humano livre, a magia que há na simplicidade e serenidade de quem tem a capacidade de imprimir na matéria seus sentimentos e pensamentos.
Porem, o significado e significante deste objeto despertou a atenção dos (capatazes- arrendatários) empreiteiros da cultura oficial, que logo o tomaram como signo de seus interesses , fabricando artificialmente, mais uma vez, um ídolo, um simulacro da cultura local.
O que atrai a avidez dos legisladores estéticos do Feudo Pantaneiro, o foco da cobiça dos agentes do eterno terceiro mundo, Brasil, é tanto o seu conteúdo elementar e primário, quanto o que esta arte não contempla, o que escapa a compreensão da arte primitiva: o homem em seu contexto sócio cultural, a totalidade do Ser humano, o esclarecimento.
O seu conteúdo rudimentar e limitado remete ao mundo pré-histórico, o homem relacionando-se com a natureza de forma mística e inconsciente, sua elaboração acanhada propõem uma leitura rápida e superficial do fenômeno, o que mantêm as mentes em um estado de adormecimento embrutecido.
Este imaginário foi logo apropriado pelo Estado de MS, através de seus agentes culturais. Considerando-o como resultado inequívoco da realidade humana local, e a mais legitima representação do espírito do povo sul mato-grossense, foi transmutado em ícone da cultura oficialesca, a Bovinocultura. Distribuído como uma jóia fabril de nosso povo, exportado para todo o Brasil e para o Exterior como signo de uma sociedade arcaica que representa-se por um conteúdo básico e anacrônico, e conhece de forma superficial os princípios da vida civilizada.
A arte popular ou primitivista tem um valor intrínseco e considerável, importante para a compreensão dos fatos, mas o que nos escapa ao analisar a arte de Conceição dos Bugres é para mim hoje o que mais interessa, a história de vida do artista, a pessoa humana em seu contexto social cultural. Como a sociedade interage com o artista, e isso, a História Oficial não conta, e simplesmente desvanece quando o objeto é transmutado em Ídolo, pois dissocia-se o conteúdo da forma, a imagem é separada da linguagem, a sensação suprime a inteligência e sua realidade se perde em uma espécie de adoração idolátrica.
Conceição dos Bugres de origem humilde, viveu na pobreza em um casebre na periferia de Campo Grande / MS, com piso de terra, sem banheiro e sem água encanada ou energia elétrica, antes e após o seu ?sucesso? artístico. Excluída dos lucros que seu produto artístico rendeu a Burguesia e aos Órgãos Oficiais do Estado, que nos ensinam que sempre temos mais maneira de sermos roubados e enganados, em matéria e ou espírito.
Conceição era exaltada, sua obra artística, sua genialidade corria mundo afora.Todos faturavam com a sua invenção: a Indústria do Turismo, agencias de publicidade e propaganda, Museus á expunham, agentes culturais operavam ao seu redor para justificar seus salários, e os críticos de arte com seu palavratório costumeiro a alardearam como artista internacional, todos faturaram, menos ela. O seu sucesso foi na realidade a sua ruína, pois o que de mais genial ela tinha lhe era usurpado, explorada não só pelos órgãos oficiais do estado como também pela burguesia, que enquanto esta era projetada no cenário artístico nacional e internacional, a elite cultural do estado trocava quilos de carne por unidades de Bugrinhos, o que só fazia era aumentar sua miséria.
O seu legado transcendeu o seu falecimento, com seu marido, e agora com seu neto que esculpi bugrinhos, porem, excluído daquela áurea mágica da verdade artística , tornou-se um objeto simplesmente comercial.
E o que restou disso, a famosa idolatria do objeto e a profanação da figura humana, ( traços fundamentas da Bovinocultura e do Cristianismo) na usurpação de seu trabalho, na indiferença com suas necessidades básicas e na negação do direito natural e constitucional do cidadão.
E hoje em dia vemos as pessoas aculturadas com esta arte, impregnadas por uma mentalidade primitiva, apenas adorando um objeto como um ídolo, o lendário bezerro dourado, ao qual se presta adoração e não se sabe o significado, a sua verdade intrínseca. E esta aculturação materialista e mística ao extremo, ignora o que venera, surrupia o que lhe interessa e despreza o valor de quem produz os signos de sua mentalidade. Espírito auspicioso, que não faz mais do que satisfazer sua avidez visceral.
É assim que se edifica o imaginário cultural do estado, com fundações de violência contra o ser humano, alvenarias de hipocrisia com o fruto do trabalho honesto e, com uma cobertura de indiferença aos grandes espíritos da terra.